O fazedor de rios
Sempre digo nesta coluna que a música brasileira vai bem. Criativa,
original e ainda emocionando. Porém, sempre alerto de que o caminho para
encontrar essa boa música não são mais os tradicionais (rádio, TV ou
prateleiras de disco nas grandes lojas de varejo). O caminho tradicional
foi tomado, com raríssimas exceções, por títulos das grandes
gravadoras, que investem pesadamente em marketing para oferecer ao
grande público trabalhos de qualidade nem sempre garantida. O mundo
digital abriu novas possibilidades não só para a gravação, mas também
para o financiamento, divulgação e difusão. O disco, objeto dos
comentários desta coluna, é o melhor retrato desse novo caminho trilhado
pelo artista independente.
Em uma passagem recente por BH vi o anúncio do show de lançamento do
álbum “O fazedor de rios”, do artista mineiro Luiz Gabriel Lopes. Bem
recomendado pelo amigo e “informante musical” Luiz Henrique Garcia (dono
do ótimo blog sobre música “Massa Crítica Música Popular” - confira em http://massacriticampb.blogspot.com.br/),
fui eu para o show. Chegando lá, ao ver algumas figuras relevantes da
cena musical atual de BH no público, logo pensei: “vai ser coisa boa”. E
foi ótimo. Um show leve e de ótimo astral, excelente banda acompanhando
um artista com muita presença de palco e artistas convidados que
agregaram muito. Não conhecia o trabalho de LG Lopes, a não ser alguma
coisa que já havia escutado do grupo do qual ele faz parte, o “Graveola e
o Lixo Polifônico”, e fui surpreendido pelo trabalho de um artista
completo. Afinal, não é sempre que se vê alguém que canta e toca bem e é
um compositor de primeira, tanto em termos de letras, quanto música
(ele assina, sozinho ou em parceria, todas as 12 faixas do álbum).
Saí do show com o CD na mão e pude ouvir com cuidado suas as músicas e
o seu trabalho. A base instrumental do disco é razoavelmente enxuta. LG
Lopes é acompanhado, na maioria das faixas, além do seu próprio violão,
por alguns sopros, a base de um cavaco ou o charango (instrumento de
cordas típico dos Andes) e uma competente e empolgante “cozinha” de
contrabaixo, bateria e percussão. Base enxuta, porém, muito bem
arranjada e que garante uma cama e tanto para LG Lopes desenvolver suas
ótimas melodias e letras. Destaque para os ótimos trabalhos de sopro,
bateria e percussão. O disco tem várias faixas vibrantes como “Maio de
Isabel” (que conta com a participação de Chico César nos vocais),
“Miúdo” ou “Resistir e Fraquejar”, prato feito para um bom arranjo de
sopros ou uma percussão que faz vibrar o corpo e dá vontade de se mexer.
O disco ainda tem algumas participações relevantes como os cantautores
Gustavitto na ótima “O Homem que Engoliu a Própria Voz” e Laura
Catarina, na sublime “Pro Sol Sair”. Em suma, é um disco excelente da
primeira à última faixa. LG Lopes se mostra um compositor inspirado e
original. Naturalmente, pode-se perceber influências no disco, mas tudo
soa com uma marca pessoal muito forte, fator que diferencia grandes
artistas da mídia.
E qual foi o caminho que LG Lopes seguiu até chegar a esse disco?
Como disse, o caminho do artista independente hoje segue trilhas novas.
Produção feita de forma colaborativa, contando com a ajuda de amigos
desde a produção até o toque final. Além dos recursos de editais
públicos, o artista usou também o financiamento coletivo (a tal da
“vaquinha virtual” ou crowdfunding, mais um anglicismo que está pegando
por aqui). E fez questão de agradecer no show nome a nome, quem
contribuiu via internet. Ficou claro para mim que a turma trabalhando no
evento (portaria, venda de CDs e afins) eram amigos. Assim como os
músicos da banda, já que alguns tocam com LG Lopes em outros projetos. E
eu ainda me lembro de ver nas vésperas do show um post do artista
pedindo a ajuda de alguém para fotografar o evento. E assim se lança um
artista independente nos dias de hoje: no peito e na raça. Só espero que
LG Lopes siga firme no caminho e traga logo mais um belo trabalho. Quer
conhecer o disco? Confere lá no site do artista o download gratuito: http://www.lglopes.com/. Satisfação garantida.
(Publicado no Jornal das Lajes, novembro/2015)
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