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O “Disco do Tênis”

Em 2017, comemoram-se 45 anos do primeiro disco solo de Lô Borges, aquele apelidado de “Disco do Tênis” por conta da inusitada capa que retrata seu surrado par de tênis. Um disco gravado por um jovem que completava 20 anos naquele momento e, apesar da pouca idade, já tinha mostrado do que era capaz no lendário “Clube da Esquina”, gravado em parceria com Milton Nascimento no ano anterior.

Para comemorar o aniversário e resgatar esse importante disco da música brasileira, o músico e compositor – e profundo conhecedor da música do Clube da Esquina – Pablo Castro convenceu Lô Borges a lançar um show executando o álbum na íntegra e com seus arranjos originais. Diga-se de passagem, foi a sua primeira execução ao vivo, pois Lô Borges, como mostrarei mais abaixo, nunca fez uma turnê do disco e se afastou da música por um tempo após o seu lançamento em 1972. Assim, antes de falar do show, é preciso contar um pouco dessa história.

Lô Borges havia acabado de gravar seu primeiro disco, o “Clube da Esquina”, no qual assinou oito canções em uma verdadeira seleção de obras-primas que inclui, entre outras, “Nuvem Cigana” e “O Trem Azul”. A gravadora Odeon apostou as fichas no seu talento e assinou com Lô Borges um disco solo, para sair na sequência. O compositor tinha, porém, pouca bagagem e estava, literalmente, com o baú de composições vazio. Entretanto topou o desafio e gravou o “Disco do Tênis” em um ritmo frenético. Com o estúdio já agendado, a rotina era pesada, como ele descreve no seu depoimento ao site Museu Clube da Esquina: “é um disco que eu fiz sob pressão. [...] Eu não tinha as músicas para fazer o disco, então eu compunha a música de manhã, o Márcio Borges fazia a letra à tarde e à noite eu ia para o estúdio e botava na roda para os músicos fazerem os arranjos comigo”. Durante o show, ele contou que teve música para a qual ele mesmo foi obrigado a fazer a letra momentos antes de entrar em estúdio, por não ter um letrista disponível.

Após o lançamento, Lô Borges estava esgotado e resolveu se afastar do mundo da música e shows para amadurecer como compositor. O resultado foi um hiato entre o “Disco do Tênis” e o seguinte, “Via Láctea”, que saiu somente em 1979. Além disso, o “Tênis” ficou sem uma turnê de divulgação, o que foi um dos motes para o resgate proposto por Pablo Castro, ao recrutar a banda e dirigir o show. Esse resgate foi mais do que oportuno, não só pela qualidade artística de um grande disco, mas também pelo seu valor histórico. O álbum é um retrato do nascimento e consolidação do Clube da Esquina como um movimento musical que revolucionou a música brasileira com suas harmonias inusitadas, novas temáticas de canções e a fusão da MPB com influências como o rock dos Beatles.

O resultado foi um show que fez justiça ao disco pela fidelidade aos arranjos originais. E isso por si só é um desafio e tanto pela complexidade das composições de Lô Borges, que combinam harmonias não tradicionais e melodias nada triviais. Além disso, o músico aproveitou todo o show para contar histórias sobre a composição e gravação de várias músicas, o que deu um ar de uma audição guiada bastante rica, não só pela contextualização das mesmas, mas também por algumas histórias divertidas. É legal ver que a resposta do público foi positiva pela agenda que envolveu várias cidades e pelo ótimo clima no dia do show, quando assisti ao último do ano no fim de dezembro, em São Paulo. Espera-se que o projeto não pare por aí e continue levando esse trabalho, acompanhado da venda do disco em vinil, por esse nosso Brasil, carente de conhecer a história da MPB e seus grandes artistas.

E o disco em si? É assunto para ser retomado em outra coluna, mas fica o convite para o leitor buscar na internet ou plataformas de streaming e descobrir um excelente álbum que mostra o quanto o Clube da Esquina foi inovador e renovador dentro da música brasileira.

(Aproveito para agradecer ao amigo historiador e pesquisador de música popular Luiz Henrique Garcia pela indicação de material de leitura para esse artigo. Para quem curte música, sempre indico visitar o seu blog, o Massa Crítica Música Popular para leituras de qualidade).

(Publicado no Jornal das Lajes, janeiro/2018)

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