O quinto Beatle

As crônicas sobre os Beatles sempre lembram as histórias daqueles que foram Beatles, mas que não fizeram parte da glória do grupo. Como Stuart “Stu” Sutcliffe, o baixista sem talento que logo abandonou o grupo quando ainda estavam em Hamburgo, Alemanha, antes da fama. Ou Pete Best, o baterista que acompanhou John, Paul e George na busca do primeiro contrato. Quando a Parlophone, subsidiária da EMI, se interessou pelo grupo, logo notaram que o baterista não era do mesmo nível dos demais e exigiu sua substituição por um melhor, impasse que os Beatles resolveram com a dispensa de Pete Best e o convite para Ringo Starr se juntar ao time.

A história do produtor dos Beatles, George Martin, que se encantou no último mês de março, é exatamente o oposto. Ele não era um Beatle, mas fez parte de toda história e glória do grupo. Tamanha foi sua contribuição para o som da banda que sempre foi lembrado como o quinto Beatle. George Martin se interessou por música ainda criança e na juventude estudou piano e oboé. Após se formar começou a trabalhar na Parlophone, braço da EMI. O selo andava desprestigiado quando Martin ajudou a reerguê-lo e assumiu sua direção. Martin buscava diversificar o catálogo e entrar na onda do rock, quando resolveu dar uma chance aos Beatles, que haviam sido recusados pela gravadora Decca. No primeiro instante Martin não se impressionou com os Beatles, musicalmente falando. Achou-os bons, mas se encantou principalmente com o carisma, humor apurado e energia do grupo. A primeira chance no mercado veio com o compacto “Love me Do”, que chegou ao 17º lugar nas paradas britânicas. Nada mau, mas ainda longe de ser um grande sucesso.

Martin garimpou músicas com chances de sucesso e ofereceu para os Beatles “How do you do it”. Eles gravaram, mas insistiram que queriam lançar uma música de autoria própria e mostraram ao produtor “Please please me”. Ao fim da gravação Martin profetizou: “vocês acabaram de gravar o seu primeiro ‘número um’ nas paradas”. E Martin provou-se duplamente certo. “Please please me” chegou ao primeiro lugar, assim como “How do you do it”, essa, porém, interpretada pelo grupo Gerry and The Pacemakers, que tinha o mesmo empresário dos Beatles, Brian Epstein. Começou aí um relacionamento com os quatro rapazes que duraria por toda a vida de Martin. Como Lennon disse em uma entrevista, foi também um aprendizado mútuo por conta da inexperiência dos Beatles com estúdios e de Martin com o rock’n’roll em si. À medida que os Beatles evoluem na qualidade de suas composições, George se mostra fundamental em ajudar a materializar no estúdio as ideias do quarteto e a história que melhor ilustra suas contribuições é a do clássico “Yesterday”.

Após Paul apresentar a música, Martin logo propôs gravá-la somente com o violão e um quarteto de cordas. Paul se opôs, dizendo que eles eram uma banda de rock e que não ficaria bom, mas deu um voto de confiança para Martin tentar. Como um professor, Martin mostrou a Paul como fazer um arranjo a partir dos acordes da música e esse se empolgou com o resultado final, gravando uma música que entraria para história e que seria depois imitada por vários outros grupos. Daí em diante o trabalho dos Beatles se sofistica cada vez mais até chegar no álbum lendário “Sergeant Pepper’s”, onde Martin foi mais uma vez posto à prova e contribuiu com arranjos primorosos e experimentais.

Por tudo isso, George Martin foi uma peça essencial da revolução musical liderada pelos Beatles, assinando, inclusive, toda a trilha instrumental do desenho “Yellow Submarine”. E continuou contribuindo com o legado do quarteto, em pleno século XXI, ao assinar a trilha sonora para o espetáculo “Love”, do Cirque du Soleil, um fantástico remix de clássicos dos Beatles que embala o show. Após seu “encantamento” em março, Paul McCartney escreveu com propriedade: “se alguém mereceu o título de quinto Beatle, esse foi George Martin.” Vá em paz, George. E se prepare para trabalhar, pois John Lennon e George Harrison devem ter muitas composições prontas esperando por um bom produtor.

(Publicado no Jornal das Lajes, maio de 2016)

Comentários

  1. Parabéns pelo texto. Também acho o mesmo que você e o Paul.
    Vinícius R.

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