A Comissão da Verdade: por que não?

Há algumas semanas compartilhei no Facebook um vídeo pedindo o esclarecimento dos inúmeros desaparecimentos ocorridos na ditadura, de uma campanha da OAB-RJ (assista no Youtube). Em discussões com amigos e acompanhando notícias na mídia, como a reação do general Torres de Melo, fico surpreso com a objeção de pessoas à Comissão da Verdade e com seus argumentos.

Um dos primeiros argumentos contra a Comissão é a punição também para quem, na luta armada, cometeu crimes como roubos, assassinatos e atentados que fizeram vítimas inocentes. Em primeiro lugar, não creio que o objetivo da Comissão seja perseguição e punição a crimes cometidos no período, até porque essas são atribuições do Ministério Público e da Justiça. E, falando em verdade, é fato que a resistência armada fez vítimas inocentes durante a luta. Essas vítimas, porém, tiveram direito a um enterro digno e suas famílias ao menos sabem onde se encontram os restos mortais de seus entes queridos. Esse mesmo direito foi negado às famílias daqueles desaparecidos nas mãos do poder oficial (ou seria oficioso?). Com todos os progressos na localização dessas pessoas, as organizações de direitos humanos ainda contabilizam 159 desaparecidos1.

Sobre uma possível punição, a discussão é um pouco mais complexa pois ainda vivemos na sombra de uma oportuna e mal digerida anistia, a tal “ampla, geral e irrestrita”. Oportuna pois foi a porta de saída de um governo ilegítimo, que rasgou a constituição, fechou o congresso e governou apoiado em mecanismos totalitários. Em última instância, sem uma anistia, os militares poderiam ser julgados por alta traição e motim ao derrubar o presidente que eles deveriam proteger. Mal digerida porque estancou uma sangria, mas nunca conseguiu cicatrizar de fato a ferida e largou na impunidade criminosos que atacaram os direitos civis e humanos mais básicos. A validade de tal lei, promulgada por um governo ilegítimo, é no mínimo questionável, como já nos mostraram nossos vizinhos Argentina, Uruguai e, de forma mais tímida, o Chile, que revisitaram as suas leis de anistia e foram atrás de criminosos.

Alguns procuradores da república estão tentando denunciar responsáveis por sequestros e desaparecimentos com base no argumento do caráter permanente do crime de sequestro (veja o link). Como as vítimas não foram encontradas, os crimes ainda persistem, o que os deixaria de fora da abrangência da lei da anistia. Vai ser uma discussão interessante e aguardo para ver qual vai ser a interpretação do Supremo para esse argumento

Por fim, preferia deixar essa discussão de punição de lado e me concentrar na importância maior da Comissão da Verdade: a verdade. Se o nosso país quer seguir em frente com um mínimo de áurea de humanidade, encontrar esses desaparecidos é algo que deveria estar na nossa agenda. No mínimo, as famílias merecem saber. Como se opor a um direito desses?





Fonte:
1. Revista História Viva, no. 102, artigo “Mortos sem sepultura”

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